domingo, 28 de setembro de 2014

A LEITURA COMO PROJETO

NOVIDADE...

A Trinta Por Uma Linha edita, com a chancela da Tropelias & Companhia, o livro A Leitura como projeto - Percursos de Leitura Literária do Jardim de Infância ao 3.º CEB, coordenado por Lúcia Barros.

Fernando Pinto do AmaralComissário do Plano Nacional de Leitura, prefacia assim esta obra:
FORMAR MELHORES LEITORES
"Se é certo que nascemos dotados de uma aptidão inata para ouvir e falar – estando a segunda, em geral, atingida entre os dois e os três anos de idade –, não é menos verdade que ninguém nasce a saber ler ou escrever. De facto, só desde há alguns milhares de anos a nossa espécie foi capaz de inventar sistemas de escrita e de leitura, assim permitindo fixar as memórias sobre as quais assenta uma herança cultural transmitida de geração em geração, graças à qual podemos conhecer alguma coisa do passado e aprender com as suas lições – uma herança que alicerça a nossa História coletiva e cujos mais belos textos constituem isso a que chamamos «literatura».
  Nunca será demais sublinhar o papel desempenhado pela literatura infantil no gosto pela leitura desde a primeira infância: a familiaridade com os textos literários permite às crianças não apenas conhecerem o mundo, mas deixarem-se fascinar pelas histórias ou pelas personagens que povoam esse mundo, num processo tantas vezes fruto de uma subtil mistura entre o legado da tradição oral e a imaginação dos autores cuja escrita foi recriando essa tradição ao longo do tempo, condensando-a em obras inesquecíveis. Do meu ponto de vista, o contacto precoce com tais obras mostra-se essencial para gerar nos pequenos leitores um vínculo com esse imaginário colectivo que serve de cimento a uma comunidade cultural e linguística, já que é a partir dos textos lidos durante a infância que criamos algumas noções centrais para o entendimento do mundo e que mais tarde partimos à descoberta de nós próprios. Isto significa que quanto mais rico e diversificado se revelar esse contacto inicial, maiores serão as hipóteses de formarmos leitores para o resto da vida, i. e., futuros cidadãos aptos a ler e a interpretar a realidade que os rodeia, estimulando o seu sentido estético mas também uma fundamental consciência crítica.
O trabalho desenvolvido pelo CENFIPE – que tenho o prazer de prefaciar – mostra até que ponto a literatura infantil pode tornar-se decisiva para a aquisição dessa consciência. Projetos como os que aqui se apresentam são utilíssimos para que as nossas crianças desenvolvam um gosto pela leitura que depende também da qualidade intrínseca dos textos abordados em cada uma destas propostas. É claro que, sendo as crianças diferentes umas das outras, não existe uma fórmula mágica ou uma receita milagrosa capaz de resultar com todas da mesma maneira, o que só vem realçar a importância de um trabalho realizado no terreno, em sala de aula e junto das famílias, por quem melhor conhece essas crianças. Refiro-me obviamente aos professores, que com elas contactam diariamente e que, para além dos textos incluídos nas Metas de Aprendizagem, poderão levar os seus jovens alunos a interessar-se por outras obras num regime não obrigatório, mas de leitura livre e gratuita, que creio fundamental para preservar o fascínio pela literatura. Assim, as estratégias de leitura deverão ser igualmente diversificadas, tendo em conta que – insisto nesta ideia – os que melhor conhecem a personalidade de cada criança são os seus pais e os seus professores, através do contacto quotidiano em casa e nas salas de aula das nossas escolas.
Sem proceder a uma análise de cada um dos projetos aqui apresentados, gostaria, ainda assim, de destacar a sua riqueza e amplitude temática, o que me parece um dos seus maiores méritos, adaptando-se a um trabalho profícuo e flexível junto das crianças e dos jovens, tanto em ambientes diretamente tutelados pelos professores como no contexto familiar. Neste sentido, as práticas de leitura orientada em sala de aula devem aliar-se a propostas de fruição da leitura muitas vezes efetuadas em casa, num enquadramento em que as famílias podem dar um contributo muito importante. Não ignorando até que ponto a leitura se mostra determinante para a aquisição de conteúdos curriculares – por exemplo ao nível da Gramática –, ela não deve, contudo, cingir-se a essa instrumentalização, pondo também em relevo o gesto gratuito de ler um livro por prazer. Todos sabemos que em cada ano lectivo os alunos são confrontados com obras cuja leitura pode não lhes agradar, mas que sabem ser necessária para um melhor aproveitamento escolar, obtendo depois uma recompensa diferida, geralmente ao nível da nota ou do reconhecimento pelos seus colegas, pelos seus professores, pelos seus pais. Pelo contrário, no caso de um livro que se lê por gosto e sobre o qual não incidirão testes ou fichas de leitura, não há lugar para qualquer compensação exterior ao acto da leitura, e a principal recompensa consiste na leitura propriamente dita, que por isso terá de ser gratuita, recreativa, e de valer por si mesma, dando aos nossos jovens leitores uma dose de satisfação que lhes estimule futuras repetições desse acto precioso e insubstituível que é o de ler um texto por prazer. Assim irão construindo a sua visão do mundo e alargando os seus horizontes de reflexão, ao mesmo tempo que moldam, estruturam e consolidam a sua personalidade durante estes anos cruciais para a sua formação.
Antes de terminar, deixo ainda uma palavra para os mediadores de leitura, cujo papel creio ser cada vez mais decisivo. Falo sobretudo dos professores – e em especial dos professores bibliotecários –, que no espaço da sala de aula ou da Biblioteca Escolar orientam os passos ainda hesitantes dos seus pupilos e os familiarizam com um universo tão vasto e sedutor como o da literatura. Investir na formação de bons mediadores de leitura é apostar no futuro e acreditar nele, visto que, quanto mais preparados estiverem os nossos professores, mais prolífica será a semente que irá crescer nos seus alunos pela vida fora, transformando-os em seres humanos capazes de receberem toda a herança literária e cultural que comecei por referir no início destas linhas – uma herança de que ninguém é proprietário, que não se compra nem se vende, e que por isso temos a obrigação de saber preservar com o amor e a paciência com que se cultiva um jardim, sempre animados pela esperança de que em cada nova geração ele possa florescer e dar novos frutos". (Fernando Pinto do Amaral, Prefácio)