domingo, 5 de julho de 2009

APRESENTAÇÃO DE "VERSO A VERSO"


A Tropelias & Companhia, Espaço Cultural da Trinta Por Uma Linha (e da Cosmorama) encheu-se de amigos dos autores e da editora para a apresentação do livro “Verso a Verso – Antologia Poética”.
Depois de breves palavras de saudação, Sérgio Almeida, jornalista do Jornal de Notícias apresentou a obra em questão, entrecortando o seu comentário crítico (texto abaixo) com a leitura de alguns poemas.

João Concha, o ilustrador, explicitou como a ilustração deste livro, com autores e estilos tão distintos, constituiu um desafio apaixonando, terminando por dizer da sua satisfação pelo resultado final.
O editor agradeceu aos autores antologiados presentes, justificou a presença dos ausentes (Luísa Ducla Soares e Francisco Duarte Mangas) e solicitou a leitura de dois poemas por autor.

Amadeu Baptista
João Manuel Ribeiro
Nuno Higino José António Franco


Vergílio Alberto Vieira
Alguns dos presentes lendo os poemas de Francisco Duarte Mangas e Luísa Ducla Soares.

Registe-se a presença gratificante da escritora Teresa Guimarães e dos poetas Rui Almeida, Maria Helena Pires e Alfredo e Tati Mancebo (da Galiza).

O texto de apresentação de Sérgio Almeida:

Não estranhem se acharem esta intervenção demasiado abreviada para o que costuma ser norma em apresentações de livros. Acima de tudo, não vejam nesta brevidade um sinal de uma menor satisfação proporcionada pela leitura do livro em relação ao qual me proponho falar. Porque o que se passa é precisamente o contrário.
Na verdade, entendo que as obras que valem por si mesmo dispensam comentários demasiado grandiosos e enfáticos, os quais, do meu ponto de vista, céptico por natureza é certo, servem quase sempre para ocultar as suas fraquezas...
Dito de outro modo, ainda mais incisivo: para mim, os livros mais estimulantes são aqueles que tornam quase irrelevantes explicações demasiado exaustivas. Pois bastam-se a si mesmos.
Há outro motivo, confesso, que me leva a não me alongar excessivamente em apresentações deste género, já que existe algo de insuportavelmente doutoral na postura geralmente assumida pelos apresentadores, como se falassem do alto da cátedra e debitassem verdades irrefutáveis a uma multidão tão inocente quanto desconhecedora.
Ora, a visão de quem apresenta qualquer livro não é seguramente melhor do que a de qualquer um dos presentes. Aliás, a haver diferenças, até serão para pior, porque é no leitor comum que existe o olhar puro e descontaminado de quem não treslê nem procura significados implicitos em qualquer frase.
Como se tudo isto não bastasse, “Verso a verso” destina-se ao mais exigente dos públicos, aquele que não disfarça o desagrado ou refreia o entusiasmo. Sim, escrever para crianças é, como saberão os autores, uma missão tão árdua quanta recompensadora.
Parece-me, contudo, errado situar unicamente nos mais jovens os únicos destinatários do livro. Ao apelarem ao sonho, à fantasia, ao onírico, os autores convidados esbatem géneros, fronteiras tipificas e demonstram-nos que os bons livros para crianças são aqueles que podem ser lidos com igual agrado por outras faixas etárias.
Desconheço o processo exacto de feitura do livro, ou seja, se foram os textos dos seis autores que deram origem às ilustrações de João Concha ou se sucedeu o inverso. Mas, vendo o resultado final, facilmente concluímos da irrelevância deste pensamento, pois assistimos a uma fusão notável entre ambos ou, para ser mais exacto ainda, a uma contaminação entre ambos, como se do diálogo entre ambos resultassem novos elementos que apenas enriquecem o resultado final.
O agrado com que praticamente todos os textos são lidos é ainda mais notável, já que não há fórmulas simplistas seguidas pelos autores. Como poetas, contistas ou romancistas, cultivam o gosto pela palavra, algo que é facilmente visível no presente livro e constitui um dos seus vários pontos de interesse,
Ao vermos a obra feita e o prestígio de alguns dos participantes que se associaram a este projecto, verificamos com agrado a dignificação crescente da literatura para jovens.
Felizmente, já parecem distantes os esterótipos em redor deste género ainda há poucos anos, segundo os quais tratar-se-ia de algo menor quando comparado com a seriedade da restante séria. Graças à dinâmica editorial, à criatividade de muitos escritores e ilustradores, e numa vertente mais oficial graças ao Plano Nacional de Leitura, a literatura para a infância e juventude atravessa um momento áureo que bem poderia ser seguido por outros géneros se também estes questionassem os seus procedimentos e práticas, como tão bem fizeram os responsáveis do género infanto-juvenil há alguns anos.
Falarei seguidamente de forma breve de cada um dos autores cujos escritos foram incluídos na presente antologia. Nos cinco curtos escritos que Amadeu Baptista nos revela há arbustos que se reúnem no prado para dançar com o vento, mas também coelhos brancos que apenas se dão a conhecer apenas quando a neve chega de outras paragens longínquas ou o sol da meia-noite aquece-lhe o pêlo macio.
Já Francisco Duarte Mangas, dedica os seus cinco poemas a cinco animais. São escritos breves em que, evocando os dinossauros, recorda como os homens são tontos, inventando um nome terrível a um indefeso animal de silêncio.
Por seu turno, João Manuel Ribeiro abraça com gosto e imaginação o fantástico e o insólito, ao contar histórias que envolvem avós ternurentas que desfiam novelos de estrelas em noites de invernia, cometas de cauda anão trazidos, como que por artes mágicas, no bolso do vestido ou ainda a peculiar história da menina Marta, que “nunca se acha farta ou acha poucas as palavras loucas para as suas orelhas pouco moucas e pouco aselhas”. Destacaria, porém, a história do menino-filósofo como exemplo paradigmático da forma como explora a linguagem.
Também Luísa Ducla Soares demonstra em “Dia Triste?” que as possibilidades em redor da escrita para jovens são quase ilimitadas, tal os recursos ao seu dispor, relatando as agruras e as alegrias quotidianas.
Nos restantes três escritos, a autora narra-nos a comunhão com a natureza, em idas ao pinhal para colher frutos, mas também histórias nas quais o humor não está ausente, como é o caso da protagonizada por Maria Margarida, mulher tão distraída que tomava banho na cama, dormia na banheira e deitava gelo no lume para atear a fogueira.
Mas nem só de histórias alegres e imediatas se faz este livro e, em última instância, a própria literatura. Nuno Higino, por exemplo, confronta-nos com luas malandras que dormem sonecas na varanda ou gatos pretos que recusam ser sinónimo de azar mas também com a história de pardais que partiram o bico e foram curados pelo mocho sabichão quase com artes mágicas. Há ainda espaço para um poema que enfatiza a necessidade de afectos, intitulado “os vagabundos”,
Destaco, nos quatro escritos de José António Franco, a forma como busca a relação com a natureza, ao mesmo tempo que se diverte com os já citados limites da linguagem, algo bem evidente em “Verde mar”.
Por fim, Vergílio Vieira revela-nos nos seus escritos um mundo fantástico em que ilusionistas e trapezistas, desafiam a própria vida, mas não faltam também nestes quatro poemas histórias de gatos versados em contas ou comboios a carvão, velhos e cansados, a caminho do céu.
Uma palavra igualmente para as ilustrações de João Concha. A afirmação crescente que tem merecido esta arte – o que já era merecido há muito tempo, sublinhe-se – não é alheia ao trabalho de dezenas e dezenas de profissionais ou simples amantes do género que, muitas vezes com poucos incentivos e rodeados de dificuldades por todos os lados, nos brindam com pequenas maravilhas, objectos que contemplamos com fascínio e que nos levam a interrogar sobre o que nos rodeia. João Concha, para felicidade dos que lerem o livro, presenteia-nos com um trabalho desses. Obrigado a todos.