sexta-feira, 1 de abril de 2011

ENTREVISTA A VERGÍLIO ALBERTO VIEIRA

Se os poetas, segundo Octávio Paz, não têm biografia, acrescentando: “a sua obra é a sua biografia”, que poderei eu acrescentar ao que sou, ao que escrevo? O meu projecto pessoal é não ter projecto, ou pelo menos dele me ir libertando, como aconselha a experiência oriental. Pôr o real a acontecer é o que a mim peço, e de mim exijo, sempre que posso.

Vergílio Alberto Vieira

Leia esta entrevista ao escritor Vergílio Alberto Vieira a propósito do livro “O COMBOIO DE PEDRA”.


Fale um pouco da inspiração que teve para escrever este livro…


VAV - O Comboio de Pedra não é obra inspirada. Mas nunca o teria escrito assim, se, aos quinze anos, não tivesse lido, por exemplo, Os Bichos, de Miguel Torga. Como sempre desejo voltar à infância, sempre que escrevo, para exorcizar momentos de fascinação & encantamento irrepetíveis, esta viagem de comboio, levada a cabo nos anos 50, na companhia de meus pais, ganha particular importância por se tratar de caso em que os laços familiares se iam rompendo, devido à fragilidade de saúde de minha mãe. Por isso, este livro demorou a ser escrito. Foi necessário dar tempo ao tempo para que a experiência ganhasse “forma” e a forma “conteúdo”, como semente em terra fecundada.


A ideia da obra teve a ver com algum passeio de comboio que fez na sua infância ou foi pura imaginação?


VAV - Abolidas as fronteiras entre o real e o imaginário, O Comboio de Pedra percorre a distância de uma vida, indo dos lugares da infância aos lugares que dela me separam.


Por que motivo optou por falar da cidade do Porto?


VAV - O imaginário não existe fora de um quadro de referências verosímeis, reais, alicerçadas em vivências que, de nós, vão fazendo o que somos. O Porto foi o meu primeiro lugar de aparição.


Como define este menino “Tira-Teimas”?


VAV - O pequeno herói é o filho de Manuel Sanguedo, conhecido na aldeia pelo Tira-Teimas. Apesar de moldado numa certa rudeza, que conheci de perto na infância rural que partilhei com miúdos como ele, revela um carácter forte, que a pobreza e o pressentimento de que a família corre perigo não derrotam.


A linguagem mais antiga que utilizou foi uma forma de perpetuar este segmento da cultura tradicional portuguesa?


VAV - A linguagem plebeia, alinhada com os padrões da ruralidade, foi a que melhor encontrei para servir uma experiência ficcional cujo “real” entronca no legado em que a literatura portuguesa mergulha as suas raízes, seja qual for o nível preferencial de leitores a que se apresenta.


O título “O comboio de pedra” surgiu antes, durante ou depois de escrever o livro? E como?


VAV - O título inicial foi A Primeira Viagem; numa segunda versão, e porque descobri também que já existia um livro com esse nome, passou a chamar-se O Comboio de Pedra por se tratar de uma viagem sem regresso, não fossem sem retorno todas as viagens de nunca regressamos.

Que mensagem quis transmitir nesta obra?

VAV - Nenhuma. Nenhuma em particular. Não diz Jorge Luís Borges que só na juventude as palavras se decidem acorrer em nosso auxílio? A verdadeira literatura é a que se escreve para acolher a entrega do leitor, não para a ele se entregar.

O que achou do resultado final, da união entre as palavras e a ilustração?

VAV - O texto e a ilustração falam a uma só voz em O Comboio de Pedra, o que não poderia ser de outro modo depois da parceria firmada com a Anabela Dias em Cinema Garrett. Mas isso define o projecto editorial da Trinta Por Uma Linha em grande parte dos livros editados.