terça-feira, 21 de julho de 2009
A CASA DA LEITURA RECOMENDA "RAFA E AS FÉRIAS DE VERÃO"
A CASA DA LEITURA RECOMENDA "VERSO A VERSO"
"Antologia poética destinada ao público infantil, esta colectânea agrupa textos de alguns nomes incontornáveis do universo literário destinado a crianças, aos quais se juntam autores mais recentes nesta área, mas em cujos textos é possível descobrir características que enformam uma poética singular. As ilustrações de João Concha funcionam como elo coesivo da publicação, recuperando motivos centrais dos vários textos e jogando com a variação cromática e com a dupla página como unidade de leitura. Explorando as potencialidades sonoras, rítmicas e melódicas da língua, combinadas com formas breves, algumas de ressonância tradicional, os autores poetizam um conjunto diversificado de temas e motivos, percorrendo as linhas de forma da poesia contemporânea para crianças: a natureza e os seus habitantes; os animais; os jogos e as brincadeiras; o circo; o universo interior da criança; o humor e o nonsense; a reinvenção da língua e da herança tradicional, entre outros. Enriquecendo uma área de edição ainda exígua, esta antologia reúne um arco-íris colorido de poetas e é bem possível que venha a constituir uma referência". Ana Margarida Ramos
quinta-feira, 16 de julho de 2009
VERSO A VERSO EM COIMBRA
[…] Quando pegamos numa antologia poética para crianças, somos normalmente tentados a privilegiar aquilo que mais impressiona à primeira vista: o jogo de palavras, as metáforas, as lenga-lengas, as prosopopeias e outros recursos estilísticos. E, se quiséssemos ir por esse caminho, exemplos não nos faltariam. Pois não é um belíssimo jogo de palavras aquele “foge rato” do Nuno Higino: “Foge rato, foge rato,/ foge de imediato,/ vem o gato, vem o gato, duas botas e um sapato e uma pata de beato”? Ou então a quadra quase irmanada com esta, escrita pelo José António Franco: “Pico pico sarapico/ O pardal partiu o bico/ Veio o mocho saltitão/ curou-o só com a mão”. E que metáfora tão expressiva é aquela do violoncelista que, “de tanto vibrar”, a arte de Amadeu Baptista coloca a “voar sobre as casas”. E que dizer dos cometas tecidos “em netos e netas” pela avó do João Manuel Ribeiro, e cuidadosamente metidos em “bolsos de linho”? E, apesar do seu desalento, não é uma reinvenção de lenga-lenga aquele “dia triste” de Luísa Ducla Soares: “A mosca no gelado/ A chuva no feriado/ O pai irritado/ O cabelo espetado/ O pneu furado/ O cão atropelado/ O telemóvel calado/ O amigo drogado/ O cinema esgotado/ O caldo entornado/ O amor adiado…” Como também tem o saber de lenga-lenga o Verde mar do José António Franco: “Verde mar/ Verde pão/ Verde fresco/ De limão // Verde fonte/ Verde musgo/ Verde prado/ No verão // Verde nuvem/ verde susto/ Verde silva/ Trambolhão…” E que dizer dos arbustos do Amadeu Baptista que se reúnem “no pátio para dançar com o vento”? Ou do cometa do João Manuel Ribeiro, que “faz cócegas na palma da mão” e “sussurra segredos ao ouvido”? Que dizer do triângulo da Luísa Ducla Soares, um sinal à beira da estrada, que se faz ao mar e “lá vai a navegar” feito uma “barca bela”? E o comboio do Vergílio Alberto Vieira, que “está velho e cansado/ mal se levanta, foi por ter fumado”? Não poderíamos classificar todos esses exemplos como excelentes prosopopeias?
Perseguir na explicitação destes méritos, destes recursos, destas formas de cativar e estimular o leitor, o pequeno leitor que já fomos ou o pequeno leitor que ainda continuamos a ser, seria uma via possível, seria, como referi há pouco, talvez o caminho normal para fazer a apresentação de uma antologia de poesia para crianças. Mas, apesar de nestes breves momentos o ter ensaiado (quase como quem não quer a coisa, mas sempre a quer) e de ter mostrado que também aqui seria um método fecundo, não é por aí que tenciono seguir. Perguntarão os mais atentos e os mais impacientes o que tem a ver uma antologia de poesia para crianças com a reflexão sobre os fenómenos transicionais de Winnicott que comecei por invocar. E chegamos agora ao núcleo fundamental da minha tese ou da minha hipótese de introdução a este trabalho: não me parece descabido considerar a palavra poética como uma outra forma de objecto transicional e a actividade mental e verbal que ela proporciona como um jogo, como uma actividade lúdica susceptível de abrir o espaço potencial entre o mundo interior e o mundo exterior, em que o princípio da criatividade e o princípio da realidade se equilibram de uma forma tão harmoniosa que tornam possível a abertura e a multiplicação de mundos que, se se misturam com os mundos da realidade, fazem explodir as suas fronteiras recolhendo os seus fragmentos nos mundos da imaginação. Diria, então que a poesia é um jogo e que a poesia para crianças é um jogo no sentido mais sério, pleno e filosófico que esta palavra pode ter e que, ao sê-lo, inaugura espaços, tempos e formas de habitar esses espaços e esses tempos que escapam à lógica do espaço e do tempo quotidianos. Diria ainda que a mediação fundamental para a realização desse jogo é a palavra, na sua dupla dimensão de significante e de significado, ou seja, tanto na sua realidade mental como na sua realidade física: uma palavra não é apenas uma ideia, mas é também um som, com toda a dimensão corpórea e a espessura material que caracteriza os sons, o que significa que a palavra poética não é apenas uma palavra pensada, mas uma palavra para ser dita e ouvida. Dessa forma a palavra poética transforma-se num exemplo excelente de um objecto transicional, de dupla dimensão, cujo jogo consiste em rasgar e abrir mundos dentro do mundo. Todos os poetas recolhidos nesta antologia e todos os textos que a integram exprimem este princípio. Todos eles são excelentes fazedores de mundos, cada um à sua maneira, e são vários os tipos de mundo que cada um rasga na música das palavras: o Amadeu Baptista convida-nos a entrar no “mundo da natureza que não existe”, o Francisco Duarte Mangas, inventa, no mundo animal, “o mundo dos seus bichos”, o João Manuel Ribeiro conduz-nos pelo “mundo dos cometas, das palavras e das ideias”, a Luísa Ducla Soares espalha-nos, de uma forma desarrumada, pelo “mundo das coisas, dos tempos e dos lugares trocados”, o Nuno Higino faz-nos deambular pelo “mundo dos vagabundos”, o mundo do José António Franco é o mundo dos “versos saltitões” e, finalmente, o Vergílio Alberto Vieira seduz-nos com o mundo do circo e das viagens impossíveis.
Seja-me permitido dar apenas um exemplo de cada um destes autores representados na Antologia que hoje somos convidados a percorrer. Comecemos por Amadeu Baptista e pelo seu “mundo da natureza que não existe”. Detenhamo-nos num poema a que já anteriormente fiz referência e no jogo que ele inventa: “Quando os arbustos/ se reuniram no prado/ para dançar com o vento,/ o unicórnio,/ por timidez,/ escondeu-se atrás de uma árvore.” Arbustos e unicórnio são aqui, incontestavelmente, os objectos (as palavras) transicionais: os arbustos são a palavra transicional para a revelação (a dança no meio do campo), o unicórnio a palavra transicional para a ocultação (o esconder-se atrás de uma árvore). O jogo entre a revelação e a ocultação é, nada mais, nada menos, que o jogo dos afectos, a ternura da dança e a timidez da relação que a descoberta inaugura.
Passemos agora ao mundo dos bichos de Francisco Duarte Mangas. Dos cinco poemas seleccionados escolho o último, pela importância que tem para a tese em que se sustenta esta minha apresentação: o mamute: “Na língua dos homens pré-históricos/ não existia o verbo amar. Para exprimirem/ paixão, esquartejavam o primeiro m à palavra mamute/ e ofereciam um raminho de alecrim à amada.” Neste mundo dos bichos, irrompe também o mundo dos afectos. A palavra transicional é, sem dúvida, a palavra mamute (ou será que deveria dizer a palavra “amo-te”, já que é assim que ela irrompe quando o seu primeiro m é esquartejado?). É transicional poruqe faz a mediação entre o mundo dos homens e o mundo dos animais e abre assim as portas da imaginação que permite que um m, sob a forma de alecrim, seja oferecido à bem-amada.
O jogo poético de João Manuel Ribeiro cria um mundo em que se misturam cometas, palavras e ideias. O primeiro poema é, a esse propósito exemplar: “A Mafalda guarda no bolso do vestido/ um cometa de cauda, cometa anão/ que lhe faz cócegas na palma da mão/ e lhe sussurra segredos ao ouvido. // As cócegas são para que se ria, os segredos para que seja feliz. O bolso é a casa onde vive de dia,/ onde vai de noite a ninguém o diz./” Deparamos aqui com outra palavra em que se cristalizam os movimentos entre o real e o imaginário e entre o interior e o exterior: a palavra cometa. O seu estar e o seu mover-se são apresentados com tal mestria, que quando chegamos aos dois últimos versos, já não sabemos se se referem ao cometa ou à Mafalda: “O bolso é a casa onde vive de dia,/ onde vai à noite a ninguém o diz.” Porque, afinal, se “as cócegas são para que se ria” (a Mafalda, naturalmente) e “os segredos para que seja feliz” (quem? evidentemente, a Mafalda), também o bolso pode ser “a casa onde vive de dia” (a Mafalda, pois claro) e “onde vai à noite a ninguém o diz” (também a Mafalda faz as suas viagens nocturnas…). Nos textos do João Manuel Ribeiro temos um outro poema com um objecto transicional, que mais do que uma palavra é apenas um sinal, um símbolo e que documenta de forma primorosa o que é um objecto transicional: refiro-me ao poema sobre o “menino filósofo” e ao “ponto de interrogação”. A sombra do ponto de interrogação permite a esse menino viajar por dúvidas e ideias, sentimentos e pensamentos, como quem joga por dentro de certezas e inquietações. Não vou lê-lo, pois deixo essa tarefa para os actores da Bonifrates que no final nos oferecerão alguns destes textos
A Luísa Ducla Soares troca as voltas às coisas, mudando tempos e lugares. Logo no seu primeiro poema aqui incluído surge o “triângulo” como objecto transicional. Nada há de mais parado que um sinal de trânsito, até ao momento em que o carro da imaginação choca com ele e o transforma num barco: “ O triângulo/ estava farto/ de ser sinal na estrada,/ piza cortada, pedaço de queijo.// O que eu desejo/ é ser vela/ de uma barca bela!// Fez-se ao mar/ e lá vai a navegar.” Aqui, o estar na estrada corresponde ao princípio da realidade, o desejar ser barca bela, corresponde ao princípio da criatividade. Embalado pelos dois princípios eis o triângulo transformado em objecto transicional que viaja entre o mar interior da imaginação e o mundo exterior do código da estrada.
O Nuno Higino no seu “mundo de vagabundos” faz do barco, no “poema sem título” o seu objecto transicional. O barco é, aqui, mediação para pensar o movimento vagabundo que atravessa todos os seus outros poemas e que se condensa, de uma forma magistral, também no poema a que a palavra vagabundos serve de título. Naquele poema “sem título” a palavra barco aparece nas quatro quadras, corporizando assim a centralidade que lhe reconheço. Na primeira quadra, diz-se que “no barco me fiz ao mar”, na segunda exclama-se que “deixei o barco no mar”, na terceira hesita-se “o barco volta, não volta”, para, uma vez cumprida a sua função transicional, se dispensar o barco na última quadra: “sem barco me fiz ao mar”.
José António Franco é perito nas viagens que faz pelo “mundo dos versos saltitões”. A primeira quadra é o exemplo realizado desse mundo: são as palavras que saltitam, no seu ritmo bailado, porque saltitam as aves que lhe servem de suporte. o som ico, poderia ser aqui a mola do fenómeno transicional, mostrando como uma palavra pode desempenhar esse papel só pela seu carácter físico e sonoro, mas dado que é de sons e de aves que falamos, a sua condensação na palavra bico, exactamente no centro do poema, é também significativa na forma como abre viagens ao mundo da imaginação onde os mochos têm mãos que curam o bico dos pardais: “Pico pico sarapico// O pardal partiu o bico/ Veio o mocho sabichão/ Curou-o só com a mão.” Outro exemplo de José António Franco todo ele preenchido com uma só palavra transicional é o poema verde mar, e que, em todas as estrofes se repete três vezes a palavra verde (à excepção da última em que só aparece duas vezes para criar um contraponto rítmico ao poema), mas sem que o substantivo a que este adjectivo se associa se repita uma única vez. Não deixa também de ser interessante constatar que nem só os substantivos podem ser palavras transicionais: neste caso é um adjectivo que cumpre essas funções de uma forma verdadeiramente estimulante do olhar e da imaginação.
Finalmente, temos “o mundo do circo e das viagens impossíveis” de Vergílio Alberto Vieira. Ao designá-lo assim, estamos naturalmente a ser redundantes, pois o mundo do circo é, pela sua própria natureza e pela sua própria magia, um mundo de viagens impossíveis. Mas, mais uma vez, só se pode viajar montado em alguma coisa: sejam trapezistas, ilusionistas, seja um comboio a carvão ou um gato que faz contas. No poema intitulado “ilusionistas”, os motores da viagem são a cartola e um cavalinho. Assim, irmanados na sua contraposição: a cartola como símbolo da imobilidade, o cavalinho como símbolo do movimento. Ver um cavalinho numa cartola é justamente meter o mundo interior no mundo exterior e o mundo exterior no mundo interior, viajando em prodígios de pasmar: “Em palco, fingem esquecer,/ que o truque mais perfeito,/ está ainda por aprender/ ou é só falta de jeito.// A cartola fica-lhes bem,/ mesmo fora da cabeça./ Como não serve a ninguém,/ Há que esperar que aconteça.// Deixem lá ver se adivinho,/ um prodígio de pasmar:/ Ir atrás de um cavalinho, que por ali ia a passar.”
Não foi por acaso, nem apenas pela ordem do livro, que deixei para último lugar este poema. É que nele se condensa a essência da poesia para crianças: o jogo das palavras é uma viagem ao mundo da ilusão, mas sem abandonar o mundo da realidade. Este livro é um cavalinho: apanhemo-lo e montemo-lo e as viagens serão maravilhosas.
Gostaria ainda de me referir ao ritmo. Toda a viagem é uma dança e a dança é a vivência expressiva do ritmo. Se há alguma coisa que caracteriza este livro, é a presença e a diversidade do ritmo em todos os seus poemas. Desde o ritmo mais lento e pesado dos poemas de Amadeu Baptista e de Francisco Duarte Mangas, mais condizente com o seu carácter enigmático, ao ritmo, caracterizado por um passo mais largo, de João Manuel Ribeiro, passando pelo ritmo vivo e balanceado de Luísa Ducla Soares e de Nuno Higino, pelo ritmo picado da maioria dos textos de José António Franco ou pelo ritmo circense (os poemas sobre os artistas de circo parecem marchas) de Vergílio Alberto Vieira, dir-se-ia que cada um dos poetas escolhe o ritmo acertado para viajar no mundo que nos inventa.
Uma palavra final para as ilustrações: a articulação com os poemas é tão grande e tão bem conseguida que, por vezes, parece mais terem sido os poemas escritos para ilustrar os desenhos, do que terem sido os desenhos feitos para ilustrarem os poemas. Há páginas em que para dois poemas distintos, uma mesma ilustração, cruzando os seus mundos, consegue um efeito de síntese extraordinário (veja-se, por exemplo, as páginas 6 e 7 — para o poema “Um dia ouvimos tocar” e para o poema “A terra era habitada” ou as páginas 16-17 para “O menino filósofo” e para “O triângulo”. Há, também, num caso ou noutro alguma redundância que talvez pudesse ser evitada: independentemente do carácter expressivo das três gralhas no desenho para o poema “Três grandes gradeamentos verdes” essa ilustração parece uma transposição quase directa dos quatro versos que a motivam…
A poesia para crianças só cumpre o seu verdadeiro objectivo se conseguir ajudar as crianças a habitar o mundo que na poesia se abre. E é essa a função das palavras transicionais na sua construção. Todavia, a habitação desse mundo não se consegue plenamente se for apenas a habitação de um mundo aberto por outros. É necessário que a poesia ajude a criança a criar o seu próprio mundo, a inventar um mundo que prolonga o mundo inventado pelos poetas, a saber usar a palavra como veículo para a invenção de mundos. E é esse também o mérito da antologia Verso a verso. O que está no horizonte não são apenas os versos escritos por poetas. Verso a verso não diz apenas respeito aos versos lidos nesta antologia. Verso a verso é também um convite a que cada criança, a partir das suas palavras, com as suas palavras/objectos transicionais, seja capaz de fazer os seus mundos nesse casamento ideal de que falei no início: o casamento do princípio da realidade com o princípio da imaginação. Só assim conseguiremos que as crianças, que moram no nosso, que é também o seu, mundo, não fiquem agarradas ao mundo que existe, mas descubram o mundo do “ainda não” nas margens do que não temos, nas margens do que não somos, para que o futuro não seja uma mera reptição do passado, mas seja mesmo futuro, por mais inquietante que isso possa ser para quem se sente comodamente instalado na realidade. [João Maria André]
segunda-feira, 13 de julho de 2009
MÃOS MÃOS MÃOS NO "PÚBLICO"
quarta-feira, 8 de julho de 2009
domingo, 5 de julho de 2009
APRESENTAÇÃO DE "VERSO A VERSO"
Depois de breves palavras de saudação, Sérgio Almeida, jornalista do Jornal de Notícias apresentou a obra em questão, entrecortando o seu comentário crítico (texto abaixo) com a leitura de alguns poemas.
João Concha, o ilustrador, explicitou como a ilustração deste livro, com autores e estilos tão distintos, constituiu um desafio apaixonando, terminando por dizer da sua satisfação pelo resultado final.
O editor agradeceu aos autores antologiados presentes, justificou a presença dos ausentes (Luísa Ducla Soares e Francisco Duarte Mangas) e solicitou a leitura de dois poemas por autor.
Amadeu Baptista João Manuel Ribeiro
Nuno Higino José António Franco
Vergílio Alberto Vieira
Alguns dos presentes lendo os poemas de Francisco Duarte Mangas e Luísa Ducla Soares.
Registe-se a presença gratificante da escritora Teresa Guimarães e dos poetas Rui Almeida, Maria Helena Pires e Alfredo e Tati Mancebo (da Galiza).
O texto de apresentação de Sérgio Almeida:
Não estranhem se acharem esta intervenção demasiado abreviada para o que costuma ser norma em apresentações de livros. Acima de tudo, não vejam nesta brevidade um sinal de uma menor satisfação proporcionada pela leitura do livro em relação ao qual me proponho falar. Porque o que se passa é precisamente o contrário.
Na verdade, entendo que as obras que valem por si mesmo dispensam comentários demasiado grandiosos e enfáticos, os quais, do meu ponto de vista, céptico por natureza é certo, servem quase sempre para ocultar as suas fraquezas...
Dito de outro modo, ainda mais incisivo: para mim, os livros mais estimulantes são aqueles que tornam quase irrelevantes explicações demasiado exaustivas. Pois bastam-se a si mesmos.
Há outro motivo, confesso, que me leva a não me alongar excessivamente em apresentações deste género, já que existe algo de insuportavelmente doutoral na postura geralmente assumida pelos apresentadores, como se falassem do alto da cátedra e debitassem verdades irrefutáveis a uma multidão tão inocente quanto desconhecedora.
Ora, a visão de quem apresenta qualquer livro não é seguramente melhor do que a de qualquer um dos presentes. Aliás, a haver diferenças, até serão para pior, porque é no leitor comum que existe o olhar puro e descontaminado de quem não treslê nem procura significados implicitos em qualquer frase.
Como se tudo isto não bastasse, “Verso a verso” destina-se ao mais exigente dos públicos, aquele que não disfarça o desagrado ou refreia o entusiasmo. Sim, escrever para crianças é, como saberão os autores, uma missão tão árdua quanta recompensadora.
Parece-me, contudo, errado situar unicamente nos mais jovens os únicos destinatários do livro. Ao apelarem ao sonho, à fantasia, ao onírico, os autores convidados esbatem géneros, fronteiras tipificas e demonstram-nos que os bons livros para crianças são aqueles que podem ser lidos com igual agrado por outras faixas etárias.
Desconheço o processo exacto de feitura do livro, ou seja, se foram os textos dos seis autores que deram origem às ilustrações de João Concha ou se sucedeu o inverso. Mas, vendo o resultado final, facilmente concluímos da irrelevância deste pensamento, pois assistimos a uma fusão notável entre ambos ou, para ser mais exacto ainda, a uma contaminação entre ambos, como se do diálogo entre ambos resultassem novos elementos que apenas enriquecem o resultado final.
O agrado com que praticamente todos os textos são lidos é ainda mais notável, já que não há fórmulas simplistas seguidas pelos autores. Como poetas, contistas ou romancistas, cultivam o gosto pela palavra, algo que é facilmente visível no presente livro e constitui um dos seus vários pontos de interesse,
Ao vermos a obra feita e o prestígio de alguns dos participantes que se associaram a este projecto, verificamos com agrado a dignificação crescente da literatura para jovens.
Felizmente, já parecem distantes os esterótipos em redor deste género ainda há poucos anos, segundo os quais tratar-se-ia de algo menor quando comparado com a seriedade da restante séria. Graças à dinâmica editorial, à criatividade de muitos escritores e ilustradores, e numa vertente mais oficial graças ao Plano Nacional de Leitura, a literatura para a infância e juventude atravessa um momento áureo que bem poderia ser seguido por outros géneros se também estes questionassem os seus procedimentos e práticas, como tão bem fizeram os responsáveis do género infanto-juvenil há alguns anos.
Falarei seguidamente de forma breve de cada um dos autores cujos escritos foram incluídos na presente antologia. Nos cinco curtos escritos que Amadeu Baptista nos revela há arbustos que se reúnem no prado para dançar com o vento, mas também coelhos brancos que apenas se dão a conhecer apenas quando a neve chega de outras paragens longínquas ou o sol da meia-noite aquece-lhe o pêlo macio.
Já Francisco Duarte Mangas, dedica os seus cinco poemas a cinco animais. São escritos breves em que, evocando os dinossauros, recorda como os homens são tontos, inventando um nome terrível a um indefeso animal de silêncio.
Por seu turno, João Manuel Ribeiro abraça com gosto e imaginação o fantástico e o insólito, ao contar histórias que envolvem avós ternurentas que desfiam novelos de estrelas em noites de invernia, cometas de cauda anão trazidos, como que por artes mágicas, no bolso do vestido ou ainda a peculiar história da menina Marta, que “nunca se acha farta ou acha poucas as palavras loucas para as suas orelhas pouco moucas e pouco aselhas”. Destacaria, porém, a história do menino-filósofo como exemplo paradigmático da forma como explora a linguagem.
Também Luísa Ducla Soares demonstra em “Dia Triste?” que as possibilidades em redor da escrita para jovens são quase ilimitadas, tal os recursos ao seu dispor, relatando as agruras e as alegrias quotidianas.
Nos restantes três escritos, a autora narra-nos a comunhão com a natureza, em idas ao pinhal para colher frutos, mas também histórias nas quais o humor não está ausente, como é o caso da protagonizada por Maria Margarida, mulher tão distraída que tomava banho na cama, dormia na banheira e deitava gelo no lume para atear a fogueira.
Mas nem só de histórias alegres e imediatas se faz este livro e, em última instância, a própria literatura. Nuno Higino, por exemplo, confronta-nos com luas malandras que dormem sonecas na varanda ou gatos pretos que recusam ser sinónimo de azar mas também com a história de pardais que partiram o bico e foram curados pelo mocho sabichão quase com artes mágicas. Há ainda espaço para um poema que enfatiza a necessidade de afectos, intitulado “os vagabundos”,
Destaco, nos quatro escritos de José António Franco, a forma como busca a relação com a natureza, ao mesmo tempo que se diverte com os já citados limites da linguagem, algo bem evidente em “Verde mar”.
Por fim, Vergílio Vieira revela-nos nos seus escritos um mundo fantástico em que ilusionistas e trapezistas, desafiam a própria vida, mas não faltam também nestes quatro poemas histórias de gatos versados em contas ou comboios a carvão, velhos e cansados, a caminho do céu.
Uma palavra igualmente para as ilustrações de João Concha. A afirmação crescente que tem merecido esta arte – o que já era merecido há muito tempo, sublinhe-se – não é alheia ao trabalho de dezenas e dezenas de profissionais ou simples amantes do género que, muitas vezes com poucos incentivos e rodeados de dificuldades por todos os lados, nos brindam com pequenas maravilhas, objectos que contemplamos com fascínio e que nos levam a interrogar sobre o que nos rodeia. João Concha, para felicidade dos que lerem o livro, presenteia-nos com um trabalho desses. Obrigado a todos.
sexta-feira, 3 de julho de 2009
RAFA E A LIBERDADE NA LER DE JULHO
Na “LER – Livros e Leitores” deste mês, em “Leituras Miúdas”, Carla Maia de Almeida, apresenta o livro “Rafa e a liberdade” de Fátima Pombo com o texto que se segue:
Não é fácil escrever para adolescentes, sobretudo quando se envereda por um registo afastado dos ambientes de mistério ou magia. Vencedora do prémio Fnac/Teorema de 2002, com O Desenhador, Fátima Pombo impõe-se pelo sentido de ritmo narrativo, a que não será alheia a sua formação superior em música. Mais: as descrições não descambam em lições de História, os diálogos evitam expressões pré-datadas (como “bué da nice” e afins) e os personagens são mais do que kalkitos presos à sua bidimensionalidade. Dito isto, é preciso notar que as aventuras de Rafa – já em segundo volume – não se parecem com as de qualquer rapaz de 15 anos. Rafa é catalão, vive entre Girona e Barcelona, é filho de pais divorciados que passam férias no sul de França e vão a restaurantes de sushi. Gosta de jazz, conhece o Palau de la Musica e lê (com algum esforço) Haruki Murakami, por influência de uma rapariga esperta e bem-humorada. Apesar das aparentes facilidades, as suas inquietações e medos são semelhantes aos de qualquer adolescente. Numa viagem solitária que o leva de Barcelona a Matosinhos, Rafa não hesita e escolhe “a estrada menos percorrida.