NOVIDADE...
A Trinta Por Uma Linha edita, com a chancela da Tropelias & Companhia, o livro A Leitura como projeto - Percursos de Leitura Literária do Jardim de Infância ao 3.º CEB, coordenado por Lúcia Barros.
Fernando Pinto do Amaral, Comissário do Plano Nacional de Leitura, prefacia assim esta obra:
FORMAR MELHORES LEITORES
"Se é certo que nascemos dotados de uma
aptidão inata para ouvir e falar – estando a segunda, em geral, atingida entre
os dois e os três anos de idade –, não é menos verdade que ninguém nasce a
saber ler ou escrever. De facto, só desde há alguns milhares de anos a nossa
espécie foi capaz de inventar sistemas de escrita e de leitura, assim
permitindo fixar as memórias sobre as quais assenta uma herança cultural
transmitida de geração em geração, graças à qual podemos conhecer alguma coisa
do passado e aprender com as suas lições – uma herança que alicerça a nossa
História coletiva e cujos mais belos textos constituem isso a que chamamos
«literatura».
Nunca será demais sublinhar o papel
desempenhado pela literatura infantil no gosto pela leitura desde a primeira
infância: a familiaridade com os
textos literários permite às crianças não apenas conhecerem o mundo, mas
deixarem-se fascinar pelas histórias ou pelas personagens que povoam esse
mundo, num processo tantas vezes fruto de uma subtil mistura entre o legado da
tradição oral e a imaginação dos autores cuja escrita foi recriando essa
tradição ao longo do tempo, condensando-a em obras inesquecíveis. Do meu ponto
de vista, o contacto precoce com tais obras mostra-se essencial para gerar nos
pequenos leitores um vínculo com esse imaginário colectivo que serve de cimento
a uma comunidade cultural e linguística, já que é a partir dos textos lidos
durante a infância que criamos algumas noções centrais para o entendimento do
mundo e que mais tarde partimos à descoberta de nós próprios. Isto significa
que quanto mais rico e diversificado se revelar esse contacto inicial, maiores
serão as hipóteses de formarmos leitores para o resto da vida, i. e., futuros
cidadãos aptos a ler e a interpretar a realidade que os rodeia, estimulando o
seu sentido estético mas também uma fundamental consciência crítica.
O trabalho desenvolvido pelo CENFIPE –
que tenho o prazer de prefaciar – mostra até que ponto a literatura infantil
pode tornar-se decisiva para a aquisição dessa consciência. Projetos como os que aqui se apresentam são
utilíssimos para que as nossas crianças desenvolvam um gosto pela leitura que
depende também da qualidade intrínseca dos textos abordados em cada uma destas
propostas. É claro que, sendo as crianças diferentes umas das outras, não existe uma fórmula mágica ou uma receita
milagrosa capaz de resultar com todas da mesma maneira, o que só vem realçar a
importância de um trabalho realizado no terreno, em sala de aula e junto das
famílias, por quem melhor conhece essas crianças. Refiro-me obviamente aos
professores, que com elas contactam diariamente e que, para além dos textos
incluídos nas Metas de Aprendizagem, poderão levar os seus jovens alunos a interessar-se
por outras obras num regime não obrigatório, mas de leitura livre e gratuita,
que creio fundamental para preservar o fascínio pela literatura. Assim, as
estratégias de leitura deverão ser igualmente diversificadas, tendo em conta
que – insisto nesta ideia – os que melhor conhecem a personalidade de cada
criança são os seus pais e os seus professores, através do contacto quotidiano
em casa e nas salas de aula das nossas escolas.
Sem proceder a uma análise de cada um
dos projetos aqui apresentados, gostaria, ainda assim, de destacar a sua
riqueza e amplitude temática, o que me parece um dos seus maiores méritos,
adaptando-se a um trabalho profícuo e flexível junto das crianças e dos jovens,
tanto em ambientes diretamente tutelados pelos professores como no contexto
familiar. Neste sentido, as práticas de leitura orientada em sala de aula devem
aliar-se a propostas de fruição da leitura muitas vezes efetuadas em casa, num
enquadramento em que as famílias podem dar um contributo muito importante. Não
ignorando até que ponto a leitura se mostra determinante para a aquisição de
conteúdos curriculares – por exemplo ao nível da Gramática –, ela não deve,
contudo, cingir-se a essa instrumentalização, pondo também em relevo o gesto
gratuito de ler um livro por prazer. Todos sabemos que em cada ano lectivo os
alunos são confrontados com obras cuja leitura pode não lhes agradar, mas que
sabem ser necessária para um melhor aproveitamento escolar, obtendo depois uma
recompensa diferida, geralmente ao nível da nota ou do reconhecimento pelos
seus colegas, pelos seus professores, pelos seus pais. Pelo contrário, no caso
de um livro que se lê por gosto e sobre o qual não incidirão testes ou fichas
de leitura, não há lugar para qualquer compensação exterior ao acto da leitura,
e a principal recompensa consiste na leitura propriamente dita, que por isso
terá de ser gratuita, recreativa, e de valer por si mesma, dando aos nossos
jovens leitores uma dose de satisfação que lhes estimule futuras repetições
desse acto precioso e insubstituível que é o de ler um texto por prazer. Assim
irão construindo a sua visão do mundo e alargando os seus horizontes de reflexão,
ao mesmo tempo que moldam, estruturam e consolidam a sua personalidade durante
estes anos cruciais para a sua formação.
Antes de terminar, deixo ainda uma
palavra para os mediadores de leitura, cujo papel creio ser cada vez mais
decisivo. Falo sobretudo dos professores – e em especial dos professores
bibliotecários –, que no espaço da sala de aula ou da Biblioteca Escolar
orientam os passos ainda hesitantes dos seus pupilos e os familiarizam com um
universo tão vasto e sedutor como o da literatura. Investir na formação de bons
mediadores de leitura é apostar no futuro e acreditar nele, visto que, quanto
mais preparados estiverem os nossos professores, mais prolífica será a semente
que irá crescer nos seus alunos pela vida fora, transformando-os em seres
humanos capazes de receberem toda a herança literária e cultural que comecei por
referir no início destas linhas – uma herança de que ninguém é proprietário,
que não se compra nem se vende, e que por isso temos a obrigação de saber
preservar com o amor e a paciência com que se cultiva um jardim, sempre
animados pela esperança de que em cada nova geração ele possa florescer e dar
novos frutos". (Fernando Pinto do Amaral, Prefácio)