terça-feira, 17 de junho de 2008

FÁTIMA POMBO EM ENTREVISTA

Fátima Pombo é autora da trilogia “O Desenhador” (2003), “As Cordas” (2005), “O Bairro dos Poetas" (2007), editada pela Teorema. O quarto romance será editado em 2009 pela mesma editora. Entre outras obras suas, destacam-se duas biografias da violoncelista portuguesa Guilhermina Suggia (1993, 1996), Traços de Música (com tradução espanhola, 2001), Amor e Morte. O sabor amargo das amêndoas (2004) e histórias infantis da serie 'A Menina Azul' (Trinta por uma linha).
É professora associada no Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro. Estudou Música no Conservatório de Música do Porto.

Sendo autora de romances e de ensaios como é que aconteceu este livro Rafa e as Férias de Verão?
Fátima Pombo
- É difícil eu própria conhecer todas as razões, porque o acto de escrever a primeira frase surpreendeu-me a mim também. Eu estava a continuar o romance que escrevo agora e que será publicado em 2009 e, de repente, no meio das palavras do romance não pude deixar de abrir um documento novo (a antiga página em branco) e começar a escrever sobre este surpreendente rapaz que me conquistou completamente. Como é que eu tinha o Rafa na minha cabeça? Talvez o meu profundo interesse pelos adolescentes, pela fase que vivem, a meio da ponte entre a infância e a primeira juventude adulta. Dizem-me que sou uma observadora perspicaz. Por outro lado, tenho muita proximidade com jovens, uma vez que sendo professora universitária contacto com rapazes e raparigas a partir dos 17. Claro que o Rafa é mais novo (faz 16 anos em Agosto), mas há traços nos meus alunos que são inspiradores, mesmo que as suas inquietações e maturidade sejam de outra ordem. Mas, sem dúvida que aprendo muito sobre os adolescentes, dedicando-lhes o meu tempo a vê-los em acção.

- E como foi entrar no mundo de um rapaz de 15 anos que tem borbulhas, pêlos no bigode, alguns pêlos no peito, 2 irmãs mais novas, 1 cadela, pais divorciados, toca bateria e passou para o 10º ano, a quem todos dizem que está a transformar-se num homem?
Fátima Pombo - O Rafa é um rapaz contemporâneo com muito humor e ironia. Também é introspectivo, com naturalidade, sem dramas. Entrar na vida dele foi a mesma coisa que entrar num labirinto com portas e janelas, umas abrem outras não, mas nunca deixando de ser um labirinto. O Rafa é um rapaz com o qual acredito, muitos dos leitores gostariam de cruzar-se. Eu, pelo menos, quero continuar a saber das suas descobertas e, por isso, um segundo livro sobre ele já está a caminho.

- Para além dos livros que tenciona escrever sobre esta personagem também é recentemente autora de histórias infantis. De novo, a mesma pergunta: Como é que descobriu que podia escrever para crianças?
Fátima Pombo
- O mundo da infância é fascinante. Por coincidência fiquei ‘rodeada’ por crianças entre os 4 e os 8 anos e pude aperceber-me mais de perto dos seus interesses, da linguagem com que se exprimem, da lógica surpreendente que utilizam, dos mundos que inventam e de como entram e saem deles. Escrevi para essas crianças e antes de lhe enviar a si os manuscritos, fiz a experiência de pedir para lhes lerem as minhas histórias e me contarem a reacção delas sem qualquer atenuante. Tive as melhores reacções às histórias da série ‘A Menina Azul’. Escrever para crianças exige acreditar que uma árvore fala a língua das árvores e que as nuvens podem suspirar de cansaço e, por isso, mudam de posição. Se acreditarmos nisso, o mundo fica muitíssimo maior, pode até nunca parar de crescer, tornando-se uma fonte inesgotável de mais coisas para contar.

- O que é para si escrever?
Fátima Pombo - Escrever para mim, já o tenho afirmado, é uma forma de experimentar a liberdade na sua expressão mais pura: a liberdade de criar. E isso é uma grande consolação, porque cada livro, cada história anuncia qualquer coisa que num momento existia na imaginação e que depois vem para o mundo à procura do seu destino e esse destino é dado por cada leitor que pega no livro. Para o escritor esse fenómeno é único: há uma obra que é criada e que depois escapa do seu criador, porque ganha vida própria… O escritor nunca sabe em que colo a sua história vai pousar. Isso é extraordinário, porque há um futuro que vai existir para além daquilo que o escritor dá no seu livro.
Para a personagem de Coetzee no livro Elizabeth Costello, escrever é negociar ficções.
Eu diria que o escritor é também um negociante em véus: se é verdade que tira uns véus, também é verdade que põe outros. E tudo isto afinal, não é mais do que uma tentativa de enganar o tempo, que corre sempre para a frente; uma tentativa de o surpreender, com a criação de tempos paralelos… numa atitude solitária, vulnerável, persistente como é a da escrita.

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